Finanças sustentáveis exigem evidência: buscando impacto real 

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A transição para uma economia de baixo carbono no Brasil depende do acesso a capital e da capacidade de convertê-lo em projetos com resultados mensuráveis. O elo crítico é a construção de práticas e instrumentos de monitoramento, relato e verificação (MRV) que produzam evidências confiáveis, mensuráveis e auditáveis de impacto climático e socioambiental. Sem essa infraestrutura informacional, instituições financeiras têm dificuldade em comprovar a integridade das carteiras e beneficiários finais não conseguem demonstrar adicionalidade e impacto, o que limita o fluxo de crédito e encarece a originação. 

Para as instituições financeiras, MRV é simultaneamente gestão de risco e estratégia comercial, pois condiciona o acesso a fontes de funding e a qualidade da originação. O setor precisa rastrear a destinação dos recursos, reportar resultados, comparar desempenho a linhas de base e metas e documentar processos que assegurem o cumprimento de salvaguardas. No Brasil, a exigência de políticas formais para tratar riscos e impactos socioambientais e climáticos reforça essa agenda e requer que a governança de dados seja parte orgânica do planejamento do negócio, não um apêndice de conformidade. Nesse contexto, a Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, funciona como patamar mínimo de organização interna e transparência e orienta a implementação de ações voltadas à efetividade dessas práticas. 

Do lado dos implementadores, o desafio é diferente, mas complementar. Converter diretrizes em práticas cotidianas implica medir linhas de base, monitorar indicadores simples e materialmente relevantes, registrar custos e co-benefícios e, quando necessário, submeter informações a verificação independente. Para pequenas e médias empresas isso costuma se deparar com restrições de caixa e de capacidade técnica. A consequência é conhecida: projetos promissores não conseguem comprovar seu mérito de impacto, tornando-se menos financiáveis. A solução passa por reduzir o custo de observância com protocolos proporcionais ao risco, formas inovadoras de produção de evidências, como a aplicação de tecnologias de sensoriamento remoto, e adoção de diretrizes com escopo e métodos de mensuração claros. 

Como os mercados exigem comparabilidade e rastreabilidade, taxonomias e padrões de elegibilidade oferecem uma gramática comum para quem capta e para quem empresta. No caso brasileiro, o esforço de construir critérios locais alinhados a objetivos climáticos e socioambientais cria previsibilidade para emissores e originadores, reduz assimetrias de informação e ajuda a distinguir impacto real. Sem MRV, porém, qualquer taxonomia de atividades sustentáveis resta incompleta e inefetiva, pois a elegibilidade depende de dados verificáveis e auditáveis ao longo do tempo.  

Do lado da demanda por crédito, empresas frequentemente carecem de capacidade técnica e orçamento para se adequar às exigências de comprovação e produção de informações. Em setores de uso da terra, por exemplo, de elevada relevância para a transição no caso brasileiro, a dispersão de produtores amplia a complexidade de monitorar práticas e resultados. Programas inovadores, como o Eco Invest Brasil, enfrentam essa tensão.  

No 2º leilão, focado na recuperação de áreas degradadas, o desenho buscou equilibrar exigências de conformidade socioambiental e MRV com atratividade para instituições financeiras e beneficiários finais. A diretriz central foi calibrar robustez e viabilidade: padrões que atentem para o rigor e para a garantia mínima de integridade e, ao mesmo tempo, exequíveis para agentes privados operarem em escala, tanto as instituições financeiras enquanto operadoras do programa quanto o setor produtivo, como beneficiários finais dos recursos. 

Internacionalmente, referências consolidadas ajudam a ancorar práticas. Padrões como os da IFC recomendam que o nível de monitoramento seja proporcional ao risco e que, em projetos de maior impacto, informações de desempenho sejam verificadas por especialistas externos. Essa diretriz simples orienta uma arquitetura escalável: dados mínimos e confiáveis para operações de baixo risco; trilhas de auditoria mais densas quando os riscos e os impactos exigem. Aplicada com critério, ela evita tanto a “prova impossível” que paralisa projetos quanto a complacência que fragiliza carteiras e reputações.  

Alguns princípios operacionais emergem dessa análise. Primeiro, MRV deve ser planejado desde a originação, não no pós-financiamento. Isso inclui definir indicadores objetivos, métodos de mensuração factíveis e calendários de reporte compatíveis com ciclos produtivos. Segundo, a proporcionalidade é chave: requisitos e custos de verificação devem escalar com risco, porte e complexidade do projeto. Terceiro: digitalização, automatização, padronização e adoção de tecnologias inovadoras reduzem custos de transação e facilitam auditorias, especialmente quando dados primários são coletados no curso do processo. O quarto princípio demonstra que capacitação é parte do produto financeiro: sem treinamento e assistência técnica, a lacuna de capacidade continuará bloqueando a transformação de capital em impacto real. 

Em síntese, o MRV não é um fim em si mesmo, mas é o mecanismo que converte metas em evidências e evidências em confiança. É essa confiança, materializada em dados verificáveis, que destrava crédito sustentável em escala, alinha incentivos entre financiadores e implementadores, produzindo, ao fim, resultados que possam ser medidos, aprendidos e aprimorados ao longo do tempo. 

Soluções para os desafios do financiamento climático 

No desenho de instrumentos financeiros e políticas públicas, a WayCarbon apoia clientes na formulação de linhas de crédito, produtos financeiros inovadores e mecanismos que buscam adicionalidade a partir de diagnósticos setoriais e análise de risco climático, definindo critérios de elegibilidade, metas de desempenho e gatilhos de vinculados a indicadores mensuráveis.  

Além disso, contribuímos para a elaboração de fluxos operacionais de informação com protocolos de MRV proporcionais ao risco e compatíveis com padrões nacionais e internacionais, assegurando alinhamento às exigências que visam o enquadramento de sustentabilidade.  

Em políticas, apoiamos na modelagem de estrutura de incentivos e condicionalidades, desenhando arranjos de governança e capacitando atores na construção de instrumentos e rotinas adequadas aos desafios do contexto institucional brasileiro. O foco é reduzir custos de observância e viabilizar operacionalidade, produzindo arcabouços que conectam originação, monitoramento e verificação em rotinas factíveis para agentes públicos e privados. 

Felipe Rocha
Coordenador de Finanças Sustentáveis at WayCarbon |  + posts

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