Entrevista com Sergio Margulis: financiamento em adaptação na COP28

Para falar sobre como o tema financiamento climático em adaptação foi tratado na COP28, com foco em análise de risco e medidas de adaptação, convidamos Sergio Margulis. Matemático, com doutorado em economia ambiental pelo Imperial College (Londres), Margulis foi economista de meio ambiente do Banco Mundial por mais de 20 anos. Atualmente é Consultor e Senior Research Associate do International Institute for Sustainability (IIS) e já atuou em diversos projetos ao lado da WayCarbon.

1. Como você avalia os resultados da COP28 em termos de financiamento climático para medidas de adaptação de governos e empresas?  

R: A COP28 iniciou com uma primeira surpresa, falando em sua abertura sobre um fundo de investimentos para perdas e danos que, na verdade, se mostrou muito pouco significativo. Houve promessas de financiamento de menos de US$ 1 bilhão.  Muito antes do Acordo de Paris as estimativas das necessidades para financiamentos em adaptação somavam mais de US$ 100 bilhões por ano.  

De acordo com o Net-Zero roadmap da Agência Internacional de Energia (International Energy Agency, IEA, em inglês), graças ao crescimento recorde do setor de energia limpa, ainda é possível limitar o aquecimento global a 1.5°C acima dos níveis pré-industriais. No entanto, para atingir esse objetivo, o investimento teria de atingir cerca de US$ 4,5 trilhões por ano até 2030. Trabalho semelhante da Consultoria McKinsey estima esses investimentos em até US$ 9 trilhões por ano. Não há como avançar sem impor os custos gigantescos desta transição aos países ricos e ao setor privado responsável pelas emissões. 

Temos uma questão central que é a governança. O National Police Chiefs’ Council (NPCC), por exemplo, é um órgão que não tem poder para impor penalizações a países que não cumprirem os compromissos para a transição ao net-zero. Aliás, todo o sistema da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e os acordos das COP são aprovados por consenso unânime. Isso juntamente com a falta de penalização torna as COPs termômetros do processo político-econômico da negociação climática, muito mais do que as negociações em si. As mudanças que importam são tratadas no G20, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelos ministérios da economia dos países. 

2. Na sua opinião, tivemos avanços na colaboração entre as agendas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento rumo à transição para uma economia de baixo carbono?

R:  Infelizmente, não tenho uma visão otimista. Temos uma declaração de boas intenções, mas é preciso avançar na agenda de quem vai pagar a conta para solucionar, de verdade, os desafios da agenda climática. Supostamente essa é a agenda da próxima COP – uma agenda para lá de atrasada. Precisamos de compromissos de governos dos países ricos de quanto será investido, como e em que prazo. Algo que pode evoluir em reuniões do G-20 ou fóruns econômicos semelhantes que podem ser ajustados para tratar da questão, com participação mais restrita aos países que realmente têm responsabilidade por resolver o problema – que são os países industrializados, os produtores de petróleo, e poucos outros responsáveis por grandes emissões, como o Brasil e Índia.

E não esquecer também que pessoas e empresas ricas deverão inevitavelmente ajudar a pagar a conta, porque são também responsáveis pelas emissões, estejam em países ricos ou pobres. Dada a urgência climática, eu acho que o mundo precisa de um mecanismo mais “duro” que assuma metas climáticas e de financiamento sujeitos à penalização em caso de não cumprimento.  

 3. Quais são os principais desafios para que empresas e governos possam viabilizar medidas de identificação de risco e adaptação de operações?

R:  Na verdade, países, governos, empresas e sociedade civil têm que saber os riscos aos quais estão expostos. Só é possível falar em adaptação, se identificarmos realmente quais são esses riscos.  Portanto, é uma questão de modelagem. Temos cenários distintos ao redor do mundo. Regiões costeiras têm um conjunto de coisas para se preocupar, as cidades têm outras, setores da indústria também têm suas especificidades. Para as empresas, olhar para sua cadeia de valor é essencial. É preciso entender sobre o fornecimento de matéria prima e as necessidades de mercado.  

O grande desafio é o financiamento para implementar medidas de adaptação. Os países do Norte Global já estão melhor preparados por conta da infraestrutura que já têm, enquanto os países em desenvolvimento têm esse desafio de crescer e, ao mesmo tempo, de forma resiliente. Como os países do sul global vão crescer de maneira limpa sem financiamentos rápidos dos países ricos? Não vimos na COP28, mais uma vez, os compromissos concretos de quem irá pagar essa conta. Tecnologias já estão na mesa e a ciência já sinalizou o que precisa ser feito. Falta vontade política e determinação. É muito dinheiro em jogo.  

Sabemos que há empresas que desejam ser Net-Zero, mas que ainda enfrentam dificuldades para controlar as suas emissões, em alguns casos com limitação tecnológica inclusive, como setores de cimento, químico, siderúrgico e de papel e celulose. Há muito trabalho a ser feito. Mãos à obra. 

 

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