Webinar ‘Finanças, ESG e Ciência’. Principais perguntas respondidas pelos especialistas.
No dia 09 de março foi realizado o Café com Especialistas, um webinar com membros do comitê de pesquisa e inovação do programa de finanças verdes do Prosperity Fund, organizado pela WayCarbon e pela Brasfi (Aliança Brasileira de Pesquisa em Finanças Sustentáveis e Investimento), com apoio do Programa Brasileiro de Finanças Verdes do Prosperity Fund.
O evento foi pensado como parte da agenda de sustentabilidade do governo britânico em parceria com o governo do Brasil e permitiu que os especialistas, membros do Comitê de Pesquisa e Inovação pudessem apresentar suas contribuições e conhecimentos no âmbito das finanças verdes, fazendo ponte com a sociedade, governos e setores acadêmicos. Com tema ‘Finanças, ESG e Ciência’, os especialistas discutiram temas atuais e relevantes sobre esses três pilares relacionados ao universo das finanças sustentáveis.
Neste artigo foram compiladas algumas das principais contribuições e perguntas respondidas pelos especialistas Annelise Vendramini, Carlos Nobre, Clarisse Simonek, Felipe Bittencourt, Marisa Cesar, Viviane Tornielli, para ampliarmos as discussões sobre um tema que ganha cada vez mais relevância, não só para o mercado financeiro, mas para toda a sociedade brasileira.
Finanças, ESG e Ciência. Principais perguntas respondidas pelos especialistas.
A agenda de finanças sustentáveis nasceu no final dos anos 2000 a partir da emissão do primeiro green bond, com a intenção de buscar uma solução financeira que convergisse ciência para o financiamento de projetos com adicionalidade ambiental e climática. Hoje, pouco mais de uma década depois, essa agenda continua ganhando importância de forma exponencial.
1 – Por que as finanças agora têm sobrenome de ‘verde’ ou até mesmo ‘sustentáveis’?
Annelise Vendramini: “O que pensamos quando pensamos em finanças verdes ou sustentáveis? Uma equação simples: finanças + verdes. Para entendermos o que ela significa, primeiro precisamos entender o que são finanças. O termo ‘Finanças’ diz respeito à arte e a ciência da gestão do dinheiro, ou seja, tudo que tem a ver com fluxos financeiros na nossa vida, economia, sociedade etc.
Robert Schiller, laureado com o Nobel de economia, afirma que “Finanças é a ciência da arquitetura de metas”. O termo ‘finanças’ está a serviço das nossas metas e ambições, sejam individuais/pessoais (sendo então as finanças individuais), de empresas (finanças corporativas) ou do setor público, em relação à saúde, educação, transporte e outros (finanças públicas).
Há muitas dimensões de finanças e vários caminhos que esses mercados podem seguir para que possamos atingir as diferentes metas.
Então, o que estamos vendo de evolução ao longo dessa grande trajetória da experiência humana com o mundo financeiro? Sobretudo, mudança de comportamento e inovação tecnológica. Em relação às inovações tecnológicas, podemos citar fundos quantitativos, criptomoedas etc. Já sobre mudanças comportamentais, temos como exemplo o interesse massivo de investidores e indivíduos nos temas de sustentabilidade, que está em constante crescimento. Daí nasce o adjetivo verde para a palavra ‘finanças’.
O adjetivo verde (ou sustentável) para o termo finanças não existe sozinho, mas sim, junto com vários outros adjetivos que povoam o mundo financeiro. É aqui que reside o desafio para avançarmos no assunto da sustentabilidade, pois é preciso sempre encontrar novos caminhos para que essas coisas possam dialogar.
E por fim, é essencial compreendermos que só teremos finanças sustentáveis adotadas por todas as pessoas do mundo se isso for meta e ambição individual de cada um de nós, afinal, finanças é a ciência da arquitetura de metas. Só dessa forma isso será verdade absoluta nos mercados e sistema financeiro de maneira geral.”
2 -“O que uma organização (ou um país) deixa de ganhar quando seus valores estão ultrapassados em relação a essas questões sustentáveis do mundo moderno?”
Clarisse Simonek: “Em uma analogia, podemos dizer que o governo é o condutor do veículo, as empresas são os veículos em si e as finanças o ‘combustível’. É isso que permite a construção e o avanço da economia, da sociedade etc. Quando se vê as macrotendências, entendemos que elas interagem muito com essas questões de sustentabilidade.
Por exemplo: o que a diferença socioeconômica significa para a coesão social que as empresas e países necessitam para sua estabilidade? O que a escassez de recursos e mudanças climáticas podem gerar de impactos na produtividade agrícola e acarretar em transformações significativas na possibilidade das empresas terem os insumos necessários?
Tais questões interligadas necessitam de transformações profundas que impactam a viabilidade ou não daquele negócio. Logo, uma empresa não deve mais se preocupar mais com o consumo de água de um negócio apenas, mas também como a escassez de água pode impactar a viabilidade e a sobrevivência daquele negócio.
Hoje, já é possível enxergar que existe uma reação não só de stakeholders, mas daqueles que buscam o capital, no sentido de tentar se transformar mais resiliente ao futuro. Já há um grande movimento para que possamos contribuir positivamente e nos prepararmos para o futuro.
O que as empresas têm a perder? Não é apenas o capital. O investidor ESG apenas aponta para essa questão de resiliência desse país ou empresa para o futuro.”
3 – Quais benefícios em investimentos em infraestrutura um governo ou empresa podem obter com a inserção do aspecto de gênero?
Marisa Cesar: “Pensando em infraestrutura, o saneamento é uma das áreas que mais impacta as mulheres. Infelizmente, o Brasil ainda está muito aquém nessa questão do saneamento quando comparado a outros países. 27 milhões de mulheres são impactadas por falta de saneamento, ou seja, 1 entre 4. Cerca de 4 milhões de brasileiros não têm banheiro.
As meninas são mais afetadas por essa escassez. Meninas, quando entram em período menstrual, chegam nas escolas públicas por exemplo e querem banheiros que sejam, principalmente, separados dos meninos, por questões de privacidade. Não encontrando isso elas começam a perder a vontade de ir à escola. E como vemos o resultado dessa equação? Em resultados do ENEM, por exemplo, nos quais 46% possuem nota final abaixo da média dos meninos.
Por outro lado, 73% de pessoas que morrem por questões de saúde ligadas à falta de saneamento são mulheres. Cerca de 735 mil mulheres não conseguem trabalhar por conta da falta de saneamento, ainda que elas não sejam diretamente impactadas. Por exemplo, se os familiares ficam doentes elas precisam faltar ao trabalho para cuidar dos que estão em casa.
Um dado da ONU muito relevante é o fato de que a cada 1 dólar que é investido em saneamento 4 dólares são economizados em saúde. Ou seja, na prática, o investimento em saneamento pouparia uma boa parte da vida de meninas, mulheres e idosas. Com maiores investimentos nesse aspecto podemos captar mais investidores de países desenvolvidos, como fundos financeiros que estão ligados a empresas de engenharia.
Tudo isso mostra que, em finanças verdes, um eixo transversal relevante já é o de gênero.
Até hoje o meio financeiro ainda é visto como muito masculino. Como podemos, então, impactar meninas e jovens para que elas tenham vontade de ter uma carreira no mercado financeiro? Como podemos fazer com que mais mulheres assumam papeis de liderança?
Somente 8% de mulheres assumem cargos em conselho e menos ainda fazem parte de áreas como financeiras ou de engenharia. Então, é necessário sempre estar trabalhando para fazer mulheres entenderem que elas são competentes e que estão e podem ocupar esses espaços, além de trabalhar dentro das organizações a questão da cultura, preparando os gestores para que possam recebê-las.”
4- Quais tipos de outros objetivos setoriais a gente deve perseguir como país além do combate ao desmatamento?
Felipe Bittencourt: “O desmatamento é um ponto crítico para o Brasil, ainda mais nessa agenda para a transformação para uma economia de baixo carbono. A maior parte das emissões brasileiras estão na Amazônia. Mas outros setores também precisam avançar:
O saneamento é um ponto que temos muito a avançar e realmente ainda é uma questão sobre a qual pouco se fala da relação com a agenda ESG em geral. Mas esse ponto é muito forte no país. No Brasil, temos 92% da rede de coleta de resíduos, além de distribuição de água para 83% da população, mas rede de esgoto somente alcança 53% do território. O tratamento desse esgoto ainda possui cobertura menor ainda, com menos de 50%. Esse ponto ainda é muito crítico, ainda que sejam ações que a gente teria enormes benefícios se tomadas.
Um outro ponto que devíamos perseguir é o de energia, sobretudo as renováveis. Temos um potencial muito grande para energia eólica e solar, por isso temos que transformar isso em diferenciais competitivos no país. Estamos vendo cada vez mais esse ponto estar atrelado à agenda ESG, inclusive, com uma visão de investidores.”
5- Quando pensamos na área acadêmica hoje, o conhecimento ainda é muito tradicional em relação ao mercado. O que o mercado espera de uma formação de profissionais do futuro?
Viviane Tornielli: “Ainda que exista uma busca de profissionais na temática de finanças sustentáveis que já tenham conhecimentos mais aprofundados e avançados, além de uma certa vivência prática, aqui no brasil temos uma lacuna de formação nessa temática. Além das habilidades e competências básicas que se buscam em todos os profissionais, um profissional do futuro de finanças sustentáveis deve ter uma visão um pouco mais sistêmica.
Por exemplo, não basta somente fazer uma avaliação de risco e impacto financeiro, mas é preciso pensar no impacto de um determinado investimento no mundo real. Então, o setor de finanças deixa de ser apenas algo pautado em um gráfico bidimensional de risco e retorno, mas agrega-se nesse gráfico esse terceiro ponto, do impacto real. Isso também agrega outros desafios acadêmicos, por exemplo, como mensurar isso na prática, mas os ODS (objetivos de desenvolvimento sustentável) da ONU vão norteando o que são as pautas prioritárias que devem ser colocadas como fatores na terceira dimensão desse gráfico.
O mercado também tem uma demanda por profissionais que integram a agenda ESG na tomada de decisão de investimentos, já que considera que há uma lacuna de informação nesse ponto. Fora do Brasil já estamos vendo essa temática um pouco mais avançada, como na Europa e em alguns pontos da América, como no México e no Chile. Fica então esse espaço para a academia brasileira começar a incorporar esses assuntos na formação dos profissionais do futuro.”
6- Qual seria o papel da ciência na formulação de políticas públicas que garantam esse financiamento sustentável e quais atores se envolvem nesse processo? (Carlos Nobre)
Carlos Nobre: “Qual seria um modelo de desenvolvimento diferente para a Amazônia? É possível desenvolver um modelo de bioeconomia de floresta em pé? Qual potencial disso? Esses são pontos importantes para o assunto.
São vários tópicos para levar em consideração para desenvolver essa bioeconomia: necessidades de pesquisa e desenvolvimento de inovação, empreendedorismo competitivo globalmente, educação e capacitação profissional, obtenção de financiamento nacional e internacional, acesso aos mercados globais e comunicação com a sociedade.
Para que isso seja alcançado, precisamos de mais investimento em educação apropriada para esse novo modelo, uma nova bioeconomia para a Amazônia, levando em consideração investimentos em infraestrutura verde e sustentável para esse novo modelo.
Também é importante ressaltar que investimento privado é igualmente importante em ciência, tecnologia e inovação. Se pensarmos no exemplo da pandemia da Covid-19, em cerca de 10 empresas farmacêuticas que saíram do zero para desenvolver as vacinas que estão em utilização, quase nada foi financiado por governos locais.
O que o Brasil precisa agora é de um agente de excelência em ciência, tecnologia e inovação que assuma a responsabilidade pelo estímulo e coordenação de atividades de ciência e tecnologia de ponta na Amazônia. Como se fosse um ‘MIT’ para a Amazônia, um instituto de excelência para achar as soluções.
Além disso, desenvolvimento de polos tecnológicos que levem as soluções para o mercado. Então, o desafio dos países amazônicos, tendo o Brasil como líder, é criar esse hub de excelência em ciência, tecnologia e inovação na Amazônia.”
Para acompanhar na íntegra como foi o bate papo com os especialistas em finanças sustentáveis, o Webinar está disponível para ser assistido abaixo: