Os seis biomas brasileiros -Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal- abrigam cerca de 20% da biodiversidade mundial e 12% das reservas de água doce do Planeta. Essa diversidade é responsável pela quantidade e qualidade da oferta de diferentes serviços ecossistêmicos dos quais a sociedade depende para funcionar, tais como a regulação climática, a manutenção da qualidade do ar e da água, o controle de erosão, a polinização, e a regulação de pragas na agricultura, entre outros. Atividades econômicas baseadas na natureza podem somar, no acumulado até 2030, mais de R$ 2,8 trilhões ao PIB brasileiro (WRI, 2020) e, somente as áreas de Reserva Legal, ajudam a preservar um patrimônio de pelo menos R$ 6 trilhões no território nacional (Metzger et al., 2019).
Ainda assim, o desmatamento – e a degradação – dos ecossistemas continua acontecendo em larga escala e vem crescendo nos últimos anos. Apenas em 2021, foram desmatados 16.557 km², um aumento de 20% na área desmatada em relação a 2020. Estudos mostram também que a degradação é responsável por uma emissão de gases de efeito estufa (GEE) de igual valor e perdas de biodiversidade ainda maiores. A estimativa é que as emissões anuais em função do desmatamento, entre 2001 e 2018, tenham oscilado entre 183 e 733 MtCO2e, enquanto a degradação foi responsável por depositar na atmosfera de 220 a 770 MtCO2e a cada ano. (Lapola et al., 2023).
Como, então, reverter o descolamento entre o valor gerado pela floresta para a sociedade e o processo de tomada de decisão para evitar esse desmatamento? Além da fiscalização de atividades ilegais para se fazer cumprir a lei, a promoção de incentivos financeiros pode ser um instrumento importante para viabilizar a conservação e uso sustentável da biodiversidade, e, assim proteger as áreas florestais.
Um levantamento realizado pela WayCarbon, que será publicado neste ano, estimou-se que existe um potencial de redução de emissões de 365 milhões de tCO2e anuais em função de desmatamento evitado nos estados amazônicos brasileiros, o que representa 15% das emissões do ano 2021. Essas atividades de proteção poderiam gerar uma receita da ordem de US$ 3 bilhões por ano em função da remuneração dessa redução de emissão de GEE. O estudo também detalha outros potenciais das Soluções Baseadas na Natureza.
É nesse contexto que os mecanismos relacionados a iniciativas de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD+, na sigla em inglês, com a inclusão “+” que representa outros elementos como conservação e manejo sustentável) se mantêm cruciais para a criação de fluxos financeiros necessários para a efetivação de projetos que valorizem a extensão e integridade dos ecossistemas naturais.
Como dito na COP26, não é possível resolver a crise climática sem a natureza. A Coalizão Reduzindo Emissões por meio da Aceleração do Financiamento Florestal (LEAF, na sigla em inglês), criada nesta mesma ocasião, em Glasgow, acaba de abrir mais um convite à apresentação de propostas para fornecer apoio financeiro aos países que reduzirem com sucesso suas emissões de desmatamento e de degradação florestal. A janela de submissão está aberta de 1º de maio de 2023 a 1º de maio de 2024 (a “Terceira Janela de Proposta”).
Quais são os desafios dos projetos REDD+?
Assim como no filme estrelado por Tom Cruise em 2002, “Minority Report” (baseado em obra literária homônima), que trata de um grupo policial que combate os crimes antes que eles aconteçam, nunca conseguiremos gerar uma prova cabal para um resultado específico de uma ação de desmatamento evitado. A implementação de projetos de REDD+ está intrinsicamente relacionada a incertezas e, portanto, sujeita a contestações sobre o seu real benefício.
Contudo, de modo similar à quando uma cidade investe em um sistema de transporte público e percebe-se uma queda no uso de automóveis particulares, em ações de incentivo à conservação de ecossistemas naturais, é possível demonstrar estatisticamente que a floresta deixou de ser derrubada (ou degradada) em função dessas ações. Iniciativas de REDD+ apresentam resultados concretos e podem ser verificados por meio de modelos baseados em dados do território e monitoramento de resultados.
Tecnologias relacionadas ao MRV (Monitoramento, Reporte e Verificação), incluindo imagens de alta resolução, desenvolvimentos do uso de LIDAR (Light Detection and Ranging) e modelos matemáticos inovadores, vêm tendo o seu uso ampliado e vão ajudar no aumento da confiabilidade desses cálculos e minimização dos riscos associados.
Contudo, essas tecnologias não eliminam todos os desafios relacionados às iniciativas de REDD+ baseadas em projetos.
Os principais desafios de iniciativas de REDD+ baseadas em projetos são:
- Linhas de base “infladas”, como consequência de uma má escolha de área de referência.
- Subestimativa de desmatamentos, incluindo vazamentos para áreas fora do projeto que não estão sendo monitoradas.
- Risco de permanência em função da perda futura de florestas
- Risco relacionados aos direitos de propriedade e titularidade sobre a terra
Por que adotar o REDD+ Jurisdicional?
Esses são alguns dos motivos pelos quais fontes de financiamento privado, como a Coalizão LEAF, buscaram formas de remunerar iniciativas jurisdicionais (nacionais e estaduais) baseadas em resultados – e não em projetos individuais. O REDD+ Jurisdicional, que não é uma ideia nova, traz consigo diversas vantagens que ajudam a superar esses desafios:
- Ao considerar o desmatamento em toda a jurisdição, as linhas de base passam a ser mais bem calibradas em função da dinâmica mais ampla, diminuindo o risco de gerar créditos que não representem uma real redução de emissão de CO2e de um cenário de referência.
- Como o monitoramento deverá acontecer em todas as áreas do território jurisdicional, o vazamento de desmatamento será detectado e não entrará no cálculo do resultado.
- Os custos de MRV, que geralmente são altos, serão compartilhados e, ao garantir maior eficiência no uso dos recursos, permitirão a redução de barreiras financeiras para implementação de esforços de REDD+.
- A participação dos governos nesses programas irá facilitar a criação e regulamentação de políticas públicas voltados para atender aos objetivos estabelecidos, indo além do que normalmente é alcançado pelos REDD+ baseados em projeto.
Qual a perspectiva para os próximos anos do REDD Jurisdicional no Mercado de Carbono?
Além de novas oportunidades de financiamento, como a “Terceira Janela de Proposta” da LEAF mencionada acima, novos padrões de mercado vêm sendo desenvolvidos (como ART-TREES e VERRA-JNR), trazendo robustez ao processo de emissão dos certificados de redução, e há diversas outras iniciativas em curso que têem como objetivo a promoção de abordagens jurisdicionais para REDD+, como a ferramenta PLANT (Paris Agreement LULUCF and NDC Tool).
Lançado durante a COP27, a PLANT (disponível em climateandforests-undp.org/plant) é uma ferramenta digital e interativa que congrega uma ampla base de dados, atualizada constantemente por meio de fontes públicas e validadas por especialistas internacionais, com informações nacionais e subnacionais de 56 países florestais. A iniciativa é da United Nations Development Programme (UNDP), com apoio da WayCarbon.
É esperado que a PLANT ajude os países em seus processos de submissão de propostas de REDD Jurisdicional dentro do padrão ART-TREES de diferentes formas, incluindo:
- Avaliação preliminar da aderência de jurisdições nacionais e subnacionais a padrões de mercado do REDD jurisdicional; e,
- Avaliação do potencial de redução de emissões com base em simulações que variam com a jurisdição, com o ano de potencial submissão ao padrão de mercado, bem como consideram o desconto de outras iniciativas de carbono de pagamento por resultados.
A aproximação e o protagonismo dos governos estaduais brasileiros nos programas de REDD+, em especial no Bioma amazônico, trazem uma excelente perspectiva para o protagonismo do Brasil na promoção de ações de combate à mudança do clima baseada na natureza.
Bibliografia:
MapBiomas, 7 Fatos sobre Territórios Indígenas no Brasil. 2023
Joly, C. A. et al. 1° Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. 2019. Disponível em: https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/09/BPBES_Completo_VF-1.pdf
WEF, Global Risks Report. 2021
Relatório Anual de Desmatamento 2021 – São Paulo, Brasil MapBiomas, 2022 https://s3.amazonaws.com/alerta.mapbiomas.org/rad2021/RAD2021_Completo_FINAL_Rev1.pdf
LAPOLA, D.M et al. The drivers and impacts of Amazon forest degradation, Science. 2023 https://www.science.org/doi/10.1126/science.abp8622
LEAF, Convite à apresentação de propostas. 2023 (disponível em: https://leafcoalition.org/wp-content/uploads/2023/05/LEAF-CFP-Terms-3rd-Window_PT.pdf)
VERRA, Response to Guardian Article on Carbon Offsets. 2023 (disponível em: https://verra.org/verra-response-guardian-rainforest-carbon-offsets/)
https://www.climateandforests-undp.org/plant
https://stories.climateandforests-undp.org/womenleadingtheway/
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2023/03/SEEG-10-anos-v4.pdf
https://report.ipcc.ch/ar6syr/pdf/IPCC_AR6_SYR_LongerReport.pdf
GRISCOM, B. W. et al. National mitigation potential from natural climate solutions in the tropics. Philosophical Transactions Royal Society. 2020
METZGER, J. P. et al. Why Brazil needs its Legal Reserves. Perspectives in Ecology and Conservation. 2019 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S253006441930118X?via%3Dihub
WRI, Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a Construção de uma Economia Mais Eficiente e Resiliente para o Brasil. 2020
Sylvera, Na introduction to Jurisdictional REDD+. 2022 (disponível em: https://www.sylvera.com/blog/an-introduction-to-jurisdictional-redd)
http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates