A urgência dos refugiados ambientais e a necessidade de adaptação
Com os já esperados efeitos da mudança do clima sobre o meio ambiente, a população humana será negativamente impactada. Esses efeitos serão sentidos com maior intensidade nas áreas em que a capacidade de adaptação for menor, ou seja, nas regiões mais pobres do planeta. Tempestades, secas e outros desdobramentos das alterações climáticas já afetam a qualidade de vida em várias localidades, o que faz com que as migrações sejam a única escolha para os habitantes dessas áreas. Assim surgem os refugiados ambientais e os refugiados climáticos, no caso específico de deslocamentos em função de eventos relacionados ao clima.
Mas, quão significativos já são esses movimentos no mundo e onde se concentram? Os refugiados ambientais realmente têm seu direito de migrar reconhecido? Isto é o que abordaremos neste artigo, que fará um panorama dos dados disponíveis sobre o tema.
Quem são são os refugiados ambientais?
O termo “refugiados ambientais” foi criado em 1985 pela ONU Meio Ambiente, se referindo às “pessoas que foram forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, por causa de uma perturbação ambiental acentuada (natural e/ou desencadeada por pessoas) que comprometeu sua existência e/ou afetou seriamente a qualidade de vida.”
Pode-se ainda, de acordo com Jacobson (1988), classificar os refugiados ambientais em três categorias de deslocamentos:
- aqueles que se refugiam em decorrência de um desastre natural;
- aqueles que se refugiam em decorrência de um evento de destruição ambiental que põe em risco a saúde da população;
- aqueles que se deslocam permanentemente em função de mudanças insustentáveis no local de moradia.
Várias são as causas ambientais que podem levar as pessoas a migrarem, mas aquelas relacionadas ao clima vêm sendo determinantes. Tempestades, inundações e secas estão entre os motivos mais frequentes.
Os refugiados ambientais ainda não tem o direito de migrar reconhecido, ao contrário dos refugiados de guerra, pois essa condição não é abrangida pela Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Avanços são necessários nesse sentido, pois a falta de regulações internacionais colocam as populações de regiões pobres em situação de vulnerabilidade mediante eventos extremos do clima.
A International Organization for Migration (IOM) vem atuando, desde 2007, para chamar atenção para a urgência do reconhecimento do direito dos refugiados ambientais. Em 2015, houve inclusão formal desses migrantes no Acordo de Paris, que criou uma força tarefa para discussão do tema entre os países signatários.
Com isso, espera-se aumentar o levantamento de dados em torno das migrações por causas ambientais, bem como desenvolver práticas de adaptação a esse problema. A Nova Zelândia já estuda adotar uma cota para receber os refugiados climáticos de ilhas vizinhas, o que colocaria o país na liderança do tema.
Quais regiões vêm sendo mais afetadas pelas migrações em função do clima?
A maior origem de refugiados ambientais se dá na Ásia, onde 82% do total de deslocamentos ocorreu entre 2008 e 2014 (IDMC, 2015). Furacões nas Filipinas e enchentes na China e na Índia foram responsáveis por migrações significativas. Com a mudança do clima, essa tendência continuará, visto que grandes cidades asiáticas estão localizadas na costa, onde há risco de elevação do nível dos mares e consequentes inundações. Além disso, com o aumento da temperatura e umidade, muitas regiões do mundo passarão a apresentar condições climáticas inapropriadas para a vida humana, o que pode tornar grandes extensões do planeta inabitáveis para os seres humanos.
Também já são intensos os movimentos oriundos da América Central. Guatemala, Honduras e El Salvador têm sido foco de migrações aos Estados Unidos. Os três países constituem o chamado “corredor seco”, uma das regiões mais vulneráveis do mundo aos efeitos do El Niño, os quais vem sendo agravados pelo aquecimento global. Como a capacidade de adaptação na região às mudanças climáticas é baixa, as populações não vêem outra opção senão deixar o seu país.
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), 82% da população rural de Honduras vive em situação pobreza, assim como 77% da população rural na Guatemala e 49% em El Salvador. Esses agrupamentos populacionais são dependentes da agricultura de subsistência e, com o aumento na incidência de secas prolongadas seguidas por tempestades, têm sua segurança alimentar ameaçada.
Com menores médias de temperaturas e melhor infraestrutura para enfrentamento das mudanças climáticas, a Europa é um dos principais destinos de refugiados ambientais. Estudo de pesquisadores da Columbia University, publicado na revista Science, revela a tendência de aumento de movimentos em direção ao continente. Os pesquisadores revisaram os pedidos de asilo na União Europeia entre 2000 e 2014, o que permitiu identificar que as solicitações cresciam quando a temperatura nas regiões agrícolas dos países de origem passava dos 20 ºC durante a época de cultivo.
Segundo o mesmo estudo, se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) seguirem a tendência atual, com as temperaturas ao redor do globo aumentando entre 2,6°C e 4,8°C até 2100, as solicitações de asilo na Europa poderiam aumentar em até 188% até o fim do século, com 660 mil solicitações extras a cada ano.
As migrações internas
As migrações ambientais não se traduzem somente em movimentos entre fronteiras, mas também em deslocamentos internos. E isso já é realidade no Nordeste do Brasil. Além de razões econômicas, estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) aponta para a interferência das condições do clima nas migrações em direção ao Sudeste. Outro estudo do CEDEPLAR-UFMG, principal centro de pesquisas em Demografia no Brasil, aponta para que com a mudança do clima a região Nordeste deve sofrer com a diminuição das chuvas, empobrecimento dos solos, aumento das áreas em processo de desertificação tornando algumas regiões inabitáveis e intensificando os fluxos migratórios em direção às áreas mais ricas do Brasil.
De forma geral, a tendência é de que os movimentos populacionais ocorram, dentro de um mesmo país, das regiões rurais em direção às cidades. As mudanças no clima interferem no modo de vida das populações do interior do país, que passam a buscar locais que ofereçam melhores oportunidades.
Como as populações podem se preparar para os efeitos das mudanças climáticas?
Por meio dos avanços tecnológicos, aliados a um planejamento de médio e longo prazo, pode-se investir na resiliência de cidades e áreas rurais para amenizar as consequências das mudanças climáticas.
Nesse cenário, a análise de vulnerabilidade climática torna-se uma ferramenta essencial, pois permite prever os riscos a que uma região estará exposta, além de servir de base para traçar estratégias de adaptação às mudanças no clima.
Confira nosso artigo: Chuvas, eventos climáticos extremos e a necessidade de adaptação.
No entanto, a capacidade de adaptação às mudanças climáticas se distribui de forma desigual ao redor do Planeta. Por isso, com a elevação da temperatura global, as migrações causadas pela mudança do clima serão um dos principais problemas de impacto mundial nos próximos anos. Como as populações mais pobres são as mais vulneráveis e com menor capacidade adaptativa, a mudança do clima tem potencial de aumentar ainda mais a crescente desigualdade global, como já demonstram alguns estudos recentes. Com a inclusão dos refugiados ambientais nos resultados do Acordo de Paris, avanços são esperados quanto ao reconhecimento do direito dessas populações em migrar.
Referências:
Jacobson, Jodi (1988). Environmental Refugees: a Yardstick of Habitability. World Watch Paper, no. 86, Washington, DC: World Watch Institute.
CEDEPLAR, Fiocruz. Mudanças Climáticas, Migrações e Sáude: Cenários para o Nordeste Brasileiro, 2000-2050. Relatório de Pesquisa (Research Report): Belo Horizonte, CEDEPLAR/FICRUZ, 2008.
DIFFENBAUGH, Noah S.; BURKE, Marshall. Global warming has increased global economic inequality. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 116, n. 20, p. 9808-9813, 2019.
SHERWOOD, Steven C.; HUBER, Matthew. An adaptability limit to climate change due to heat stress. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 107, n. 21, p. 9552-9555, 2010.