Temas relacionados à sustentabilidade ambiental e climática têm ganhado cada vez mais espaço na discussão pública, na agenda governamental e empresarial. Dentre esses temas, a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) recebe um destaque especial devido aos impactos generalizados que o aquecimento global pode causar.
As vantagens de reduzir o aquecimento global, no entanto, podem parecer distantes e, de certa forma, vagas para alguns agentes econômicos, especialmente porque o custo do aquecimento global é disperso entre a sociedade, enquanto o falso benefício por poluir (ou o custo de não poluir) pode ser capturado e entendido de forma mais clara para os poluidores. Dessa forma, é necessário “traduzir” os impactos causados pelo aquecimento global em valores monetários, de forma que esses custos possam ficar explícitos para a sociedade.
O que é o Custo Social do Carbono (CSC)?
O Custo Social do Carbono (CSC) é uma forma de atribuir um valor monetário aos impactos causados pelo aquecimento global para a sociedade, sendo um conceito fundamental para a compreensão dos desafios econômicos e ambientais que as mudanças climáticas representam. Este conceito representa o custo social causado por uma tonelada adicional de emissões de dióxido de carbono ou seu equivalente, como, por exemplo: danos às propriedades, redução da produtividade do trabalho ou da renda das famílias etc. Ao estimar o CSC, os tomadores de decisão podem avaliar o custo-benefício de diferentes políticas e medidas de mitigação das mudanças climáticas.
Por exemplo, se o CSC é alto, então a escolha mais eficiente para a sociedade seria investir em tecnologias limpas, reduzir as emissões de GEEs e consequentemente minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas. Por outro lado, se o custo social do carbono é baixo, pode ser mais eficiente investir em adaptação às mudanças climáticas – como infraestruturas mais resilientes a eventos extremos – em vez de mitigar as emissões de GEE.
Outra utilidade do CSC é servir como referência para os instrumentos de precificação do carbono. Em uma política otimizada, que maximiza o bem-estar intertemporal da população, o preço do carbono deve ser igual ao seu custo social, de forma que o benefício marginal da poluição seja reduzido, fazendo com que as empresas invistam na redução das emissões de GEE, dado que as opções de custo de abatimento de emissões abaixo do preço do carbono se tornam economicamente mais atrativas (NORDHAUS, 2007).
Estimativas para o custo social do carbono
O cálculo do CSC requer a quantificação de todo o processo que relaciona as emissões antrópicas de GEE com os impactos no bem-estar social. Estimar esse custo, no entanto, não é algo trivial devido à complexidade dos sistemas climáticos e as incertezas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, crescimento da renda da população, taxas de juros da economia, preferências das populações e assim por diante.
Atualmente, uma das principais formas de estimar esse custo é através dos Modelos de Avaliação Integrada, que simulam, entre outras coisas, os caminhos de concentração de GEE na atmosfera, o impacto desse aumento de GEE na temperatura global e as alterações na produção e no consumo causadas pelo aumento da temperatura. Devido às incertezas inerentes às variáveis climáticas e econômicas, existem diversos Modelos de Avaliação Integrada que resultam em diferentes estimativas para o CSC. Também devido às incertezas relacionadas às estimativas, os resultados desses modelos são melhor aplicados para análises de cenários, não devendo ser interpretados como previsões².
Figura 1 – Custos Sociais do Carbono por país (cenário SSP2/RCP6.0)
A Figura 1 exemplifica a diversidade dos custos por país em um dado cenário, segundo as estimativas de Ricke, Caldeira e Tavoni (2018). Os autores estimam um custo social médio de US$ 418 dólares para o mundo no cenário SSP2/RCP6.03, enquanto para o Brasil, esse custo é de US$ 24,20 neste mesmo cenário. Nordhaus (2007) também analisa a diferença entre os custos sociais globais estimados por ele e por Stern (2007) – a diferença entre ambas as estimativas pode chegar a mais de 10 vezes a depender do horizonte temporal (para 2015, Nordhaus estimava um custo de US$ 35 enquanto Stern estimava US$ 360).
O CSC na política climática internacional
Apesar das diferentes estimativas relacionadas ao CSC, essa métrica pode ser uma importante referência para a política climática. No cenário internacional, ele poderia ser ainda uma âncora para preços de carbono harmonizados internacionalmente como os mecanismos para evitar o efeito carona de países com políticas climáticas mais permissivas (NORDHAUS, 2019).
Nesse sentido, o relatório States and Trends of Carbon Markets de 2022, do Banco Mundial, ressalta que o interesse no estabelecimento de padrões comuns para a precificação do carbono nas jurisdições está aumentando. A mais ambiciosa dessas abordagens seria a adoção de um piso de preço internacional do carbono, seja globalmente ou entre os grandes países emissores, dado que essa política seria mais abrangente e eficiente que os Mecanismos de Ajuste de Fronteira.
Apesar de não citar qual seria esse preço mínimo, o relatório cita uma faixa de preços defendida por alguns especialistas climáticos consultados pela Reuters que varia entre 50 e 250 dólares, com mediana de US$ 100. Outra de faixa de preços é sugerida em um estudo do Fundo Monetário Internacional: entre 25 e 75 dólares por tonelada de CO2 (PARRY, BLACK e ROAF, 2021).
Os preços do carbono têm acompanhado o CSC?
É possível notar, entretanto, que grande parte das jurisdições que precificam o carbono não estão nem acima da faixa mínima sugerida por Parry, Back e Roaf (2021). Adicionalmente, nem todas as emissões dessas jurisdições são cobertas pelo sistema de precificação, de forma que a influência desse preço para o abatimento das emissões se torna limitada – o Banco Mundial estima que cerca de 23% das emissões globais são cobertas por alguma precificação de carbono atualmente, como tributos de carbono e sistemas de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês).
Figura 2 – Preços do Carbono em diferentes jurisdições
Conclusão
Apesar das limitações relacionadas à incerteza inerente aos modelos de estimativas para o custo social do carbono, essa métrica é extremamente útil para definir uma política climática ótima, de forma que a precificação do carbono – ou outras políticas climáticas – possam ser avaliadas conforme o seu custo-benefício. É interessante notar ainda que, mesmo com as divergências quanto à faixa de valores, a precificação do carbono é um instrumento reconhecidamente aceito entre diversos economistas. O dilema principal, no entanto, é que a precificação recai em um problema de efeito carona ou de “eu faço se você fizer”, de forma que os acordos globais necessitam de um esforço de coordenação para que esses instrumentos sejam amplamente adotados. Nesse sentido, o CSC é também um instrumento para ancorar os preços globais, para evitar que a precificação seja realizada de forma desigual entre os países.
Referências
Banco Mundial. State and Trends of Carbon Pricing. 2022. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/entities/publication/a1abead2-de91-5992-bb7a-73d8aaaf767f.
Banco Mundial. Carbon Princing Dashboard. 2023. Disponível em: https://carbonpricingdashboard.worldbank.org/,
DIETZ, Simon; VENMANS, Frank. Cumulative carbon emissions and economic policy: in search of general principles. Journal of Environmental Economics and Management, v. 96, p. 108-129, 2019.
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K. Ricke, L. Drouet, K. Caldeira and M. Tavoni, Country-level Social Cost of Carbon, Nature Climate Change. DOI: 10.1038/ s41558-018-0282-y.
NORDHAUS, W. Climate change: The ultimate challenge for economics. American Economic Review, v. 109, n. 6, p. 1991–2014, 2019.
NORDHAUS, W. “A Review of the ‘Stern Review on the Economics of Climate Change.’” Journal of Economic Literature 45, no. 3 (2007): 686–702. http://www.jstor.org/stable/27646843.
Parry, Ian, Simon Black, and James Roaf. 2021. “Proposal for an International Carbon Price Floor among Large Emitters.” IMF Staff Climate Notes 2021/001, International Monetary Fund, Washington, DC.
STERN, Nicholas. 2007. The Economics of Climate Change: The Stern Review. Cambridge and New York: Cambridge University Press.
TIROLE, Jean. Carbon Pricing for a Climate Coalition. Tolouse School of Economics. 2016