Novo relatório do IPCC relaciona mudanças climáticas e desigualdade social
O relatório publicado em agosto de 2021 pelo Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima (IPCC), entidade criada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1988, trouxe um panorama preocupante de como os possíveis caminhos resultantes das ações humanas podem afetar o sistema climático terrestre.
Em fevereiro de 2022, a organização lançou um novo relatório, trazendo a contribuição do Grupo de Trabalho II para o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (GWII – AR6), que avalia os impactos das mudanças do clima, analisando os ecossistemas, a biodiversidade e as comunidades humanas nos níveis global e regional. O novo relatório do IPCC também analisa as vulnerabilidades, além das capacidades e limites do mundo natural e das sociedades humanas para se adaptar às mudanças do clima.
Baseada em mais de 34.000 estudos, elaborados por mais de 1.000 dos principais pesquisadores do tema no mundo e aprovado por todos os 195 estados-membros da ONU, a avaliação pode ser vista como uma das mais importantes da história humana e não deixa espaço para a inação, sobretudo dos países mais ricos, aponta o The Guardian. A conclusão é que os dados atuais estão diretamente ligados à desigualdade social, são preocupantes e indicam prováveis impactos negativos no curto prazo.
Razões para preocupação
O relatório salientou o que chamou de “razões para preocupação” (reasons for concern), elencando cinco grandes categorias de especial atenção com base no acúmulo de riscos que emergirão de um aumento contínuo da temperatura global. Cabe destacar que são três razões a mais do que as apresentadas pelo Quinto Relatório de Avaliação do IPCC em 2014 (AR5).
- Sistemas únicos e ameaçados: sistemas ecológicos e humanos únicos que possuem áreas geográficas restritas limitadas por condições relacionadas ao clima e possuem alto endemismo ou outras propriedades distintas e singulares estão sob ameaça. Exemplos incluem recifes de coral, o Ártico e seus povos indígenas, glaciares de montanha e hotspots de biodiversidade;
- Eventos climáticos extremos: riscos e impactos provindos de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, chuva forte, seca e incêndios florestais associados e inundações costeiras, para a saúde humana e sobre os meios de subsistência, ativos e ecossistemas;
- Distribuição de impactos: riscos e impactos afetam grupos humanos específicos de forma desproporcional devido à distribuição desigual, tanto dos perigos físicos trazidos pela mudança do clima, quanto dos fatores relacionados à exposição ou vulnerabilidade;
- Impactos agregados globais: impactos atuais e esperados para os sistemas socioecológicos que podem ser agregados globalmente em uma única métrica, como danos monetários, vidas afetadas, espécies perdidas ou degradação de ecossistemas em escala global;
- Eventos singulares de grande escala: mudanças relativamente grandes, abruptas e às vezes irreversíveis nos sistemas causadas pelo aquecimento global, como a desintegração das camadas de gelo ou a desaceleração da circulação termohalina, que consiste nas grandes correntes oceânicas do planeta.
Impactos do novo relatório do IPCC no Brasil
O ClimaInfo elencou os principais reflexos da crise no Brasil divulgados pela pesquisa. O País está entre os mais afetados em um cenário de aumento de calor e umidade. O quadro mostra que as mortes por calor aumentarão em 3% até 2050 e em 8% até 2090. Ademais, as chuvas podem diminuir em 22% no Nordeste ao longo do século, ampliando a ocorrência de secas. Apesar da possibilidade de diminuição da pluviosidade em grande parte do Brasil, as chuvas que ocorrerem devem ser mais extremas, o que pode ocasionar mais enchentes e deslizamentos de terra, principalmente no Acre, Rondônia, Sul do Amazonas e Pará.
A produção de alimentos pode ser extremamente afetada pelas mudanças climáticas. Logo, o Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, pode ser altamente prejudicado, tanto do ponto de vista social quanto econômico. Por aqui, a produção de arroz pode cair 6% com altas emissões, ou 3% com redução rápida de emissões. E a produção de trigo pode diminuir 21% com altas emissões ou 5% com a redução, por exemplo.
O estresse causado pelo calor também pode reduzir o crescimento animal e a produção de leite e ovos, além de aumentar a mortalidade de animais. Outro aspecto alarmante envolve a pesca e a aquicultura. “Se as emissões seguirem altas, a produção de peixes cairá 36% no período 2050-2070 em comparação com 2030-2050. A produção de crustáceos e moluscos será quase que extinta, diminuindo em 97% no mesmo período”, replicou o ClimaInfo.
Quais são as soluções possíveis?
Segundo reportagem da BBC, os cientistas afirmam ainda a existência de uma pequena janela de oportunidade para que o pior cenário seja evitado. Ações urgentes de curto prazo, envolvendo conservação de terras e oceanos, redução de emissões e adaptação, que limitem o aquecimento global a um número próximo de 1,5°C, podem reduzir substancialmente as perdas e danos vindos das alterações climáticas no planeta. Apesar disso, alguns efeitos podem ser irreversíveis.
Melina Amoni, Gerente de Risco Climático da WayCarbon, elenca algumas iniciativas que poderiam ser tomadas para combater o agravamento da situação: a elaboração de planos de ação climáticas subnacionais; o desenvolvimento de programas de justiça social, econômica e de educação climática; a restauração florestal e costeira e implementação de soluções baseadas na natureza em assentamentos humanos; a adoção de sistemas de monitoramento e alerta, especialmente para áreas historicamente consideradas de risco; e o melhoramento dos sistemas de infraestrutura urbanos são alguns exemplos de ações climáticas que podem ajudar a reduzir o impacto da mudança do clima.
Os pesquisadores reforçam que para oferecer proteção eficaz ao caos climático é necessário endereçar também as desigualdades como as de renda, gênero, etnia e geográficas. Já que as populações mais vulneráveis socialmente são as menos responsáveis pela crise, mas estão mais expostas aos efeitos negativos trazidos por ela, indica o The Guardian. O IPCC alerta, por fim, que as estratégias de adaptação ainda são altamente subfinanciadas; e lembra que é mais barato investir na prevenção no presente do que agir após o dano estar completo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Intergovernmental panel on climate change (IPCC). “Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability”. Acesso em 08 de março de 2022. https://report.ipcc.ch/ar6wg2/pdf/IPCC_AR6_WGII_FinalDraft_FullReport.pdf
ClimaInfo. “Impactos das mudanças climáticas: o recado do novo relatório do IPCC para o Brasil”. Acesso em 9 de março de 2022. https://climainfo.org.br/2022/02/28/impactos-das-mudancas-climaticas-brasil/
The Guardian. “This climate crisis report asks: what is at stake? In short, everything”. Acesso em 9 de março de .https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/28/what-at-stake-climate-crisis-report-everything
BBC Brasil. “Mudanças climáticas: novo relatório do IPCC adverte sobre impactos irreversíveis”, Acesso em 9 de março de 2022. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60554761